Após reunir algumas
informações de adolescentes para ministrar palestra com o tema: Adolescentes em conflito com a lei e
também por trabalhar com jovens há mais de uma década, resolvi transformar o
material em artigo com uma breve impressão sobre nossa juventude. Não tenho a
pretensão de firmar tese e sim oxigenar o debate e propor reflexões.
Início pela nossa Constituição
Federal que traz em seu art.
227 a seguinte redação: É dever da
família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e
à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Deste artigo pressupomos que de fato, as linhas mestras para ‘geração’ que
comandará e contribuirá com nosso Brasil estão delineadas, contudo, na prática
não é o que vemos.
Dia desses participando de
um evento que se discutia maioridade penal, um jovem estudante fez a seguinte
pergunta a um Delegado de Polícia que compunha a bancada de palestrantes: “Não
é o caso de no Brasil existir leis tais como as do Oriente Médio? Ex: roubou
perde a mão”, e o Delegado respondeu: “Não estamos em guerra, violência se
combate com violência na guerra”. “Precisamos é de justiça para quem rouba
pouco e para quem rouba muito”.
Vejamos os dados do
Anuário da Segurança no Brasil 2016, produzido pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública, não para confrontar o dito pelo Delegado, mas para situarmos
no mundo real comprovado por estatísticas.
De 2011 a 2015 morreram na
Síria mais de 256 mil pessoas enquanto no mesmo período morreram no Brasil
perto de 280 mil pessoas. Precisamente em 2015 morreram 58.492 pessoas. Esses
números são de mortes violentas e intencionais. 54% são jovens de 15 a 24 anos
e 73 % dessas mortes são compostas de pretos e pardos. 50% dos alunos
frequentando o 9º ano do ensino fundamental estão em escolas localizadas em
áreas de riscos de violência. As três esferas de governos; federal, estadual e
municipal investiram em segurança no período de 2002 até 2015 R$ 76.3 bilhões
de reais. 64% da população concorda que os policiais são caçados pelo crime.
De posse desses dados
retorno a um dos parágrafos anteriores: estamos em guerra? Se os policiais são caçados será que os
jovens também não são? É verdade que agora temos que interpretar a palavra
“caça” com exterminar para os policias e cooptar para os adolescentes. Trago também
os números publicados pela Fundação Casa do Estado de São Paulo em 04/11/2016, que informa ter 9.708 jovens
sob seus cuidados, sendo 95,93% desse contingente do sexo masculino, e quase 8
mil se envolveram em ocorrências de roubo e tráfico. Em 2015 cada adolescente custou
ao contribuinte R$ 9.429,79. Como restou demonstrado, foram mais de R$ 76
bilhões investidos em segurança entre 2002 a 2015 e um custo de quase R$ 10 mil
investido em cada menor infrator em São Paulo.
Diante deste choque de realidade, faço algumas indagações:
o jovem está sendo ressocializado? Qual o objetivo do cárcere estatal,
senão a ressocialização? Porque o crime é organizado? Ao meu ver, acredito que não haja ressocialização, ele
tem retornado a ‘mãe sociedade’ com as mesmas deficiências ou pior e isto de fato só se
materializou por que o Estado é desorganizado. Por óbvio, o dia que o Estado se
organizar o crime se desorganiza.
Na obra dos delitos e das penas, escrito pelo pensador e Jurista Italiano Cesare
Beccaria ele ensina que as pessoas abrem mão de sua liberdade em troca da
segurança e tranquilidade. Para ele é melhor prevenir os delitos a punir, e
acrescenta, “o mais seguro, e difícil meio de prevenir os delitos é com o
aperfeiçoamento da educação, objeto muito vasto, um campo estéril e só
cultivado por poucos sábios”.
Em leitura ao trabalho do
desembargador Antônio Fernando do Amaral e Silva, com o tema: A criança e o adolescente em conflito com a
lei. O mesmo assegura que: “Ao
analisar as causas da delinquência juvenil e da crescente violência urbana
destaca-se que o fenômeno decorre, principalmente, da injusta distribuição de
renda, da miséria e da falência das políticas sociais básicas”.
O ponto de vista deste
Magistrado é que vem corroborar com
minha tese, quando digo que “o jovem infrator é vítima da sociedade” e
evidente, que os mais apressados me acusam de defender ‘bandidos’, mesmo estando eu de acordo com a punição
severa aos infratores, mas na mesma medida, defendo uma ressocialização em
consonância ao previsto na lei e ao tamanho do custo ‘imposto’ ao contribuinte.
Por isso, insisto, releia o segundo parágrafo deste artigo e reflita quem está
cumprindo sua parte. E vou além, em um tom bem raso, o jovem delinquente em sua
maioria são de famílias dos 3 ‘Ps’
que o Ratinho do SBT tanto fala: “prostituta, preto e pobre”.
O Código de Menores, instituído em 1979 em seu art. 41 dizia que o
jovem infrator mesmo depois de atingida a maioridade poderia continuar preso e
que seu processo seria reexaminado em no máximo a cada 2 anos. Com o advento do
ECA em 1990, em seu art. 121, ficou redigido que a internação constitui medida
privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e que a extinção da
medida se dará de forma compulsória aos 21 anos. Ao longo de décadas pode ter
sido um avanço, contudo, aquém de nossa realidade. Há quem sustente que o ECA
foi concebido para o menor abandonado e não para o infrator. Será o caso de
reformar esta lei? Se sim, que
tipo de reforma precisamos?
“A sociedade desesperada e
impotente, sem saber o que fazer para combater a gravíssima crise da
insegurança, não tem outra resposta que não seja a primitiva exacerbação”. Essa
é a afirmação feita no livro Populismo
Penal Midiático do Instituto Avante Brasil capitaneado pelo Prof. de Dir.
Penal Luiz Flávio Gomes, quando o assunto é maioridade penal. Ele conceitua a teoria geral do populismo
penal como um discurso populista em tom acusatório, desqualificativo,
denuncista e manipulador da questão criminal (e a vontade da população, chamada
de opinião pública). Este articulista com a devida licença acrescenta: existe
opinião pública e opinião publicada, e deixo a pergunta: À quem interessa a
maioridade penal?
Apenas para que não paire
dúvida o Art. 103 do ECA, prevê
que considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou
contravenção penal. Logo criança é aquela pessoa que tem até 12 anos de idade
incompletos, cabendo a ela se praticar algum ato infracional o encaminhamento
ao Conselho Tutelar, onde estará sujeita às medidas específicas de proteção,
enquanto, adolescente é aquela pessoa que tem entre 12 anos completos e 18 anos
incompletos de idade, onde na prática de ato infracional estará sujeito a
processo contraditório, com ampla defesa. Após o devido processo legal,
receberá ou não uma sanção, denominada medida socioeducativa.
No caso, tanto um quanto o outro, isto é, Conselho Tutelar e a própria
justiça estão despreparados para lidar com a realidade do jovem.
Finalizo este artigo
colacionando algumas linhas do pensamento do Procurador de Estado e também
Prof. da Universidade do Ceará, com 2 pós-doutorados e membro de Institutos de
Direitos Humanos, Cesar Barros Leal, em excelente dissertação, centrada nos
fatores e na prevenção da delinquência juvenil, referindo-se às causas, assim
explica o fenômeno: "No Brasil, a delinquência juvenil é um problema eminentemente
estrutural”. “Os menores delinquentes ou infratores, não importa como sejam
rotulados, em sua maior parte, são procedentes das classes desfavorecidas e
praticam, na maioria das vezes, delitos contra o patrimônio, destacando-se
entre eles o furto”.
Por todo o exposto,
concluo, ou a Família, Sociedade e Estado cumprem o seu papel ou seremos dia
após dia, vítimas dessa CALAMIDADE
PÚBLICA chamada “Adolescentes em conflito com a lei” onde todos estão
perdendo, “eles e nós”.
D. Ribeiro é Advogado, Educador, Jornalista e
Palestrante de Cidadania.
Comentários