O reconhecimento de pessoas é um tema extremamente relevante para o processo penal, considerando que, em muitos processos, a autoria depende desse reconhecimento. Ademais, a prática forense tem demonstrado que em alguns crimes, como furto ou roubo, a negativa de autoria é a tese defensiva mais utilizada.
O
assunto está disciplinado no art. 226 do CPP nos seguintes termos:
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o
reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o
reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se
pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem
qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a
apontá-la;
III - se houver razão para recear que a
pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra
influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a
autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento
lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada
para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no inciso III deste artigo não
terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Em
2015 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a presença de outras
pessoas junto ao réu era uma recomendação legal, e não uma exigência (RHC
61.862).
Agora
o mesmo (STJ) por meio de seu Ministro, Rogerio Schietti Cruz concedeu liminar
em habeas corpus para suspender a condenação de um jovem acusado de roubo, a
qual teve como base apenas o reconhecimento pessoal feito em desacordo com o
artigo 226 do Código de Processo Penal (CPP). Segundo o relator, a
jurisprudência do STJ estabelece que o reconhecimento de pessoa sem a
observância do devido procedimento legal "não poderá servir de lastro a
eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo".
O
caso envolve um homem de 20 anos que teria participado, em 2018, de roubo à mão
armada contra passageiros de um ônibus em São Paulo. Nas instâncias ordinárias,
ele foi condenado a seis anos e oito meses de reclusão, além de multa. A
acusação se baseou na identificação feita pelo motorista do coletivo.
Irregularidades
O
ministro Schietti afirmou que a sentença condenatória se apoiou integralmente
no reconhecimento realizado durante o inquérito policial, mas para isso não
foram respeitadas as normas previstas no CPP.
"Além
de não ter havido a indicação, pelo ofendido, das características da pessoa a
ser reconhecida, não cuidou a autoridade policial de reunir pessoas para se
agruparem ao lado do suspeito", explicou o relator.
Schietti
também destacou recente precedente da Sexta Turma (HC 598.886), no qual os
ministros afastaram o entendimento de que o procedimento de reconhecimento
pessoal estabelecido em lei seria "mera recomendação do legislador".
"O
reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226
do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para
quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime", concluiu
o ministro.
Abaixo colaciono o entendimento firmado pelo STJ:
Em virtude dessa nova compreensão,
fixaram-se diretrizes sobre o tema, consubstanciadas em quatro conclusões, a
saber:
1) O reconhecimento de pessoas deve
observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas
formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de
suspeito da prática de um crime;
2) À vista dos efeitos e dos riscos de
um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida
norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não
poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o
reconhecimento em juízo;
3) Pode o magistrado realizar, em juízo,
o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento
probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do
exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato
viciado de reconhecimento;
4) O reconhecimento do suspeito por
simples exibição de fotografia(s) ao reconhecedor, a par de dever seguir o
mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente
a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em
ação penal, ainda que confirmado em juízo.
D. Ribeiro é Advogado Criminal na Capital, SP, Brasil.
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